Silêncio - 2016
SOB ESCOMBROS Um tempo houve em que, de tão próximo, quase podias ouvir o silêncio do mundo pulsando onde também tu eras mundo, co...
Um tempo houve em que,
de tão próximo, quase podias ouvir
o silêncio do mundo pulsando
onde também tu eras mundo, coisa pulsante.
Extinguiu-se esse canto
não na morte
mas na vida excluída
da clarividência da infância
e de tudo o que pulsa,
fins e começos,
e corrompida pela estridência
e pela heterogeneidade.
Agora respondes por nomes supostos,
habitante de países hábeis e reais,
e precisas de ajuda para as coisas mais simples,
o pensamento, o sofrimento, a solidão.
A música, só voltarás a escutá-la
numa noite lívida,
uma noite mais vulnerável do que todas
(o presente desvanecendo-se, o passado cada vez mais lento)
um pouco antes de adormeceres
sob escombros.
Manuel António Pina, Como se desenha uma casa. Lisboa, Assírio & Alvim, 2011, pp. 24,25
---
O silêncio é o elemento predominante nos trabalhos apresentados nesta exposição. O silêncio dos quadros e gravuras, objetos inanimados que ao mesmo tempo reverberam sua representação imagética. O silêncio da fotografia e de frames de cinema, pontos de partida para a criação destas cenas. O silêncio no sentido de não falar, não contar um segredo. O silêncio omisso. O silêncio do luto, da resignação, do inexprimível. Como fio condutor, o silêncio propõe um diálogo sem palavras entre os trabalhos apresentados, ao mesmo tempo em que revela uma desconexão entre eles, gerando uma quase negação na relação entre um e outro.
A pergunta que se pode fazer diante da conexão ou não destes trabalhos e diante de uma realidade muda, vazia, é de que então não há nada a ser representado? Mas silêncio pode também significar o meio de comunicação, o conteúdo. Aqui, a narrativa é sugerida, como na sequência 'A casa', 'A menina' e 'O copo', trabalhos que se constroem como cenas de um filme, aproximando o espectador como uma lente em zoom, configurando uma espécie de procura pelo sentido dentro do sentido.